DOM PEDRO II NA COLÔNIA SANTA CÂNDIDA

DOM PEDRO II NA COLÔNIA SANTA CÂNDIDA

 

Em 1.880, a jovem província do Paraná, recebeu a visita de suas majestades, o imperador Dom Pedro II e a imperatriz Dona Theresa Christina. O motivo oficial da visita era o início dos trabalhos da estrada de ferro Curitiba-Paranaguá, presente do império à nascente província. Por outro lado, grande era o interesse pessoal do imperador para constatar “in loco” a situação em que se encontravam os “morigerados colonos polacos”, cuja fixação no Paraná ele próprio autorizara, em audiência mantida há apenas uma década, ao cognominado “pai da emigração polonesa ao Paraná” o agrimensor Sebastião Edmundo Woś Saporski.

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Ilustração de Rogério Borges

 

Rafael Karman, sob o pseudônimo de PINIOR, publicou no “Kalendarz Ludu” de 1964, artigo sob o título de “Dom Pedro II em Cândida e Abranches”. Esse artigo foi escrito baseado no depoimento oral do velho colono Francisco Woś, participante dos acontecimentos.

Assim Pinior redigiu a história da visita do imperador a colônia Santa Cândida:

“Felizes os olhos que viram aquilo que eu vi. No dia 21 de maio, mais ou menos pelas duas e meia da tarde, divisei do meio de uma incalculável multidão no Alto da Glória, a chegada do imperador e da imperatriz, numa bela carruagem. Os gritos de entusiasmo da multidão não tinham limite. Tudo que era vivo saudava o imperador. Livres e escravos, brasileiros natos e imigrantes há pouco chegados, proporcionavam entusiásticos vivas de acolhimento ao mesmo tempo em que se acotovelavam para poder ver o rosto do monarca e da imperatriz, afamados por sua bondade de coração.

Dirigentes das instituições e das sociedades aproximavam do imperador e da imperatriz. Estes desceram de sua carruagem na Praça 19 de dezembro e foram a pé até o centro da cidade. Todos prestavam-lhes honras merecidas. Porém o grupo mais belo eram as 21 moças vestidas de branco, mais da metade polonesas, que seguravam em suas mãos cartazes com o nome de sua respectiva colônia, escrito em grandes letras. Agitavam entusiasticamente estas bandeirinhas e saudavam o casal imperial. Eram estas as colônias: Tomás Coelho. Lamenha, Riviere, Santo Inácio, Nova Tirol, Murici. Santa Cândida, Abranches, Orleans, Alfredo Chaves, Antônio Rebouças, Dom Augusto, Inspetor Carvalho, Venâncio, Zacarias, Argelina, Dom Pedro, Dantes, São João Batista, Dr. Araújo e Santa Felicidade.

No terceiro dia, i. é., a 23 de maio de 1880, o imperador foi satisfazer sua curiosidade e constatar como viviam os colonos polacos radicados no rocio de Curitiba. Para tanto foi visitar a colônia Santa Cândida. No Bairro Alto, os colonos ergueram-lhes um belo arco, com dizeres alusivos ao país e ao monarca, de acordo com velhos e tradicionais costumes polacos. Os dizeres foram confeccionados pelo inglês Frederico Fowler, o qual possuía uma grande casa comercial no Bacacheri, em sociedade com outro inglês, Felipe Tade.

 

Defronte ao arco, o imperador foi saudado por uma formação bem organizada de camponeses, portando a bandeira polonesa. A recepção foi organizada por André Walecki, um digno camponês, veterano de três guerras prussianas. Estava o mesmo vestido com seu vistoso uniforme e um quepe verde, porque no país era inspetor nas florestas prussianas. Apresentava grande número de medalhas e condecorações no peito. Destacou-se dos demais e ajoelhando-se em uma das pernas, quis dialogar com o imperador. Porém este, que já havia descido do veículo, fez sinal para que não ficasse ajoelhado e aproximando-se, disse:

– Não se ajoelhe diante de mim, pois sou uma pessoa como você. Sei que na Europa é costume ajoelharem diante dos reis e imperadores, mas isto é idolatria. Não se deve ajoelhar perante ninguém, a não ser perante Deus.

Depois desta verdadeira aula, olhou para as suas reluzentes condecorações e disse:

– Vejo que é um brilhante cavaleiro.

Diante disso, Walecki, animado com as palavras do imperador, proferiu breves palavras de saudação em língua alemã, pois o imperador entendia a mesma e Walecki ainda não dominava suficientemente o português.

Em seguida os colonos proferiram vivas, detonando tiros de espingardas, as quais eram portadas nos ombros. O imperador retomou a carruagem e o cortejo movimentou-se em direção a Santa Cândida. Os colonos, comandados por Walecki escoltavam dos dois lados a carruagem. O imperador, os acompanhantes e toda a comitiva deslocavam-se junto com os colonos. Estes desenvolviam uma marcha rápida, harmônica como dos soldados na Europa, por ocasião dos grandes acontecimentos. Os colonos foram muito bem treinados por Walecki. Cada cem metros mais ou menos, a dado sinal, os colonos levantavam sonantes vivas:

 

– Viva o imperador, viva a Imperatriz! Viva o Brasil!

 

Em seguida davam salvas, inicialmente de um dos canos das armas duplas, em seguida das armas de um cano só e finalizavam com sonantes estampidos do outro cano das armas de cano duplo. Era belo ouvir e ver. Os colonos esmeravam-se e o imperador, satisfeito com a ordem da manifestação, inclinava a cabeça para fora da carruagem, após cada salva, e agradecia aos colonos a demonstração de carinho e veneração.

Desta maneira, chegaram até a pequena capela antes de Santa Cândida, afastada da igreja uns 400 metros. Neste local uma bela procissão aguardava o monarca com bandeirolas preparadas pelo vigário. Na procissão encontrava-se uma multidão de pessoas, praticamente todos os habitantes da colônia.

O imperador e a imperatriz desceram novamente da carruagem e receberam as honras do diretor espiritual da colônia. Em seguida, foram a pé até a igreja. Os vivas com as armas de fogo não cessavam de saudar os visitantes até a entrada da igreja. Tal parada nunca houvera até então, em Curitiba.

Após ouvirem a Santa Missa, os colonos convidaram o casal imperial para o pão e o sal, tradicional costume polonês para recepção de figuras ilustres e sinal de hospitalidade. A casa escolhida foi a do colono Francisco Woś. Este recepcionou o imperador e a imperatriz “tanto quanto a casa é rica”. Serviu à mesa broa de centeio bem preparada e assada, saleira com sal juntamente com banha da terra, manteigueira repleta de manteiga fresca e queijo feito de leite gordo.

O imperador olhou para a mesa e sorrindo assentou-se, a fim de experimentar as dádivas da terra, na nova colônia formada por polacos. Passou a manteiga num pedaço de pão cobriu-a com um pedaço de queijo e mastigando várias vezes, olhava para aqueles colonos que o contemplavam como se fosse o sol. Disse então:

– Não imaginava que fosse tão bom. Tal pão e manteiga nem no Rio de Janeiro comi e que queijo gostoso!

Motivado por tal atitude do imperador o anfitrião Woś curvou-se e perguntou se o imperador gostaria de experimentar da cerveja de sua própria fabricação.

– Traga – respondeu o imperador. Quando lhe encheram o copo, experimentou e elogiou-a, dizendo que não era má. Depois continuou comendo a broa de centeio com manteiga e queijo e finalmente pediu um cálice de parati.

– Parati? O que é isto?

Os colonos olharam-se, não sabendo do que se tratava até que um membro da comitiva imperial esclareceu que paraty era a mesma coisa que aguardente de cana-de-açúcar.  Foi então oferecido ao imperador um cálice de aguardente.

– Vocês já estão muito bem instalados meus caros colonos, disse-Ihes o imperador, afastando-se da mesa. Muitas pessoas da cidade, se experimentassem o vosso pão e manteiga haveriam de invejar-vos.

Em seguida solicitou o imperador ao anfitrião Woś, que lhe mostrasse os produtos plantados e colhidos por ele. Woś conduziu o imperador até o paiol mostrando-lhe feixes de centeio, espigas de milho, feijão e outros produtos agrícolas. O imperador parou diante dos feixes de centeio, tirou com as mãos uma espiga de um feixe e esfregou-a com as palmas das mãos, debulhando belos e escuros grãos de centeio. Perguntou o imperador:

– Como vocês os extraem das espigas? Possuem para isso alguma máquina?

– Muito fácil, majestade, respondeu Woś.

Fez sinal para os colonos e estes limparam num relance um lugar no paiol, jogaram quatro feixes no assoalho, pegando nos manguais e com evoluções e batidas rítmicas em poucos minutos separaram uma boa quantidade de grãos das espigas. Quando terminaram, o anfitrião apresentou um punhado de centeio malhado ao imperador.

– Maravilhoso. disse o imperador, mas como vocês limpam o debulho?

Diante disso, Woś tomou uma peneira. Encheu-a de debulho de centeio, deslocando-se para um lugar onde havia corrente de ar. Levantando a peneira para o alto e para baixo, em movimentos rápidos e alternados, fez com que o vento levasse a sujeira para fora da peneira, enquanto os grãos caiam novamente na mesma. Com tanta eficiência fez isto, que com alguns desses movimentos apresentou ao imperador na peneira os grãos limpos do debulho.

– Perfeito — elogiou o imperador. Vejo que vocês são engenhosos e sabem resolver seus problemas.

Em seguida o imperador ainda se interessou por outras coisas, fazendo uma série de perguntas, quando os seus assessores o chamavam para a volta, argumentando que se aproximava uma tempestade. Despediu-se então o imperador dos colonos e retornou a Curitiba.”

 

Em Santa Cândida os colonos tornaram-se os melhores malhadores do Paraná. É interessantes que os melhores malhadores são as mulheres e moças. Quando na colônia recolhia-se o centeio para os celeiros, estas iam em grupos de quatro procurar os proprietários, geralmente os mais abastados, e contratavam a malhação e a limpeza do centeio.

TRADUTOR: NÃO IDENTIFICADO NOS TEXTOS EXAMINADOS.

 

 

FONTE:

PINIOR. Dom Pedro II, na Kandydzie  i w Abranches. Kalendarz Ludu. Curitiba, 1964, p. 84 a 88.

BOLETIM do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfco Paranaense. Volume XIII. Curitiba, 1971, p. 74 a 81.

BOLETIM do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfco Paranaense. Volume XXVII. Curitiba, 1975.

BOLETIM.  Informativo da Casa Romário Martins. Santa Cândida, pioneira da colonização linista. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, ano 2, n. 16, dez. 1975.

 

 

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